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quinta-feira, 29 de março de 2012

MORRE MILLÔR FERNANDES





Por Ivan Melo

O escritor, humorista e cartunista Millôr Fernandes morreu na madrugada desta quarta-feira, 28 de março de 2012, aos 88 anos.
O fato lembra-me uma época, anos 90, quando iniciei-me no magistério. Ele escrevia uma página na revista Veja, depois seria substituído pelo Jô Soares. Leitor assíduo daquela coluna, destaquei a página de cada revista durante alguns anos e montei um banco de dados com suas crônicas, charges e tiras para minhas aulas de português e redação. Isso ocorreu antes do surgimento da internet, dos PC's, notebooks e minha ferramenta tecnológica limitava-se a uma Olivette Linea, aquela da maleta.
Composto de frases, crônicas, tirinhas etc, o material me rendeu muitos trabalhos legais e aulas bem divertidas. Infelizmente a notícia que veiculo hoje, sobre o autor, não é divertida. Resta-nos revivê-lo através da leitura sua obra.
Do extenso acervo que tanto me foi útil e aprazível, escolhi o ótimo poema Poesia Matemática que aqui transcrevo.



Poesia Matemática
Millôr Fernandes

Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo.

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